Leituras sobre os atentados golpistas de 8 de janeiro

30/01/2023

No dia 8 de janeiro de 2023, grupos golpistas, alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, invadiram as instalações do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto. Recusando-se a aceitar a vitória do presidente Lula nas eleições de 2022, depredaram, danificaram e saquearam os prédios dos três poderes, incluindo parte importante do acervo histórico e do patrimônio cultural do Estado brasileiro.

O atentado terrorista demarca o auge da radicalização destes grupos de direita e extrema direita no país, cujos membros e lideranças vêm atacando sucessivamente às instituições democráticas desde 2015, instrumentalizando-se, em larga medida, da comunicação digital. Esta flagrante demonstração de violência política coloca o sistema político em alerta e demanda uma resposta firme e rápida de toda sociedade brasileira. Urge uma união dos três poderes democraticamente constituídos em torno da defesa da democracia e do Estado de Direito, demonstrando que não se pode tolerar qualquer tipo de manifestação política fora da legalidade.

O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), que historicamente se dedica ao estudo da consolidação da democracia e suas instituições no Brasil, observa com bastante preocupação o evento e seus desdobramentos, especialmente no que se refere à omissão e permissividade de parte das forças de segurança face o golpismo desses setores políticos. As falhas no esquema de segurança da Esplanada dos Ministérios e na proteção das instalações das casas dos três poderes requerem um olhar atento para o papel desempenhado pelas Forças Armadas e policiais nesse momento crucial para democracia brasileira.

A sociedade civil, em conjunto com a comunidade científica, deve cobrar que as forças de segurança cumpram o seu papel de obediência aos poderes constituídos e atuem pelo reestabelecimento da ordem democrática no país. Tendo em vista a gravidade deste acontecimento e a importância da ampliação do debate público a seu respeito, os pesquisadores do NEV/USP Felipe Ramos Garcia e Natasha Bachini organizaram como sugestão a leitura de alguns textos, oriundos de pesquisas que se debruçam sobre tais questões, como a permanência de padrões autoritários na sociedade a despeito da forma de governo, a fragilidade das instituições brasileiras, o caráter punitivista do discurso conservador no país, a inserção  dos militares na política brasileira e o papel das mídias sociais nestes processos na contemporaneidade.

 

1. Violência política e autoritarismo (https://nev.prp.usp.br/publicacao/revisitando-a-nocao-de-autoritarismo-socialmente-implantado-entrevista-com-paulo-sergio-pinheiro/)

Nessa entrevista, o professor Paulo Sérgio Pinheiro, um dos fundadores do Núcleo de Estudos da Violência, discute os temas da violência política e do autoritarismo no Brasil. É recuperada a noção de “autoritarismo socialmente implantado”, pela qual se argumenta que o fenômeno do autoritarismo brasileiro não é exclusivamente perpetrado pelo Estado, mas um traço perene e latente que permeia toda nossa sociedade, cujas raízes históricas remontam a um passado escravocrata, de desigualdade extrema e violento.

 

2. A incompletude democrática e a fragilidade das instituições políticas brasileiras (https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/44055)

Neste artigo, o Professor Sergio Adorno, cofundador do NEV/USP e coordenador do CEPID-NEV/USP*, observa, em forma de painel, as diversas manifestações da violência na sociedade brasileira:  na família, na juventude, na escola, no trabalho, no campo e nas forças policiais do próprio Estado. Atribui esse traço autoritário de nossa sociedade à incompletude do processo de transição democrática e discute as principais variáveis que impedem a efetiva instauração do Estado democrático de Direito no Brasil, como a assimetria entre direitos políticos e direitos sociais, a ausência de mediações institucionais capazes de assegurar a pacificação da sociedade, bem como a predominância de uma cultura política violenta, no sentido de um “autoritarismo socialmente implantado.

 

3. A reorganização dos conservadorismos e o papel do discurso punitivista na inserção dos militares na política (https://www.scielo.br/j/dilemas/a/Hh4pF7SGX4sTptFWJq7RzpJ/abstract/?lang=pt)

Neste artigo, a socióloga e pesquisadora do NEV Roberta Novello, com o Professor e coordenador do NEV/USP, Marcos Alvarez, analisam a atuação da chamada “bancada da bala” no legislativo paulista. O texto explica como militares transitam entre o campo da atuação profissional, como policiais, para o da política partidária institucional, quais bandeiras carregam e como isso nos ajuda a compreender o recrudescimento do discurso sobre segurança pública.

 

4. Os militares e a Segurança Pública no Brasil (https://diplomatique.org.br/os-militares-e-a-seguranca-publica-no-brasil/)

Nesse artigo, os sociólogos e pesquisadores do NEV Felipe Ramos Garcia e Leonardo Ostronoff analisam a atuação dos militares das Forças Armadas na segurança pública no Brasil. Os autores discutem de que forma a atuação de militares em questões de segurança pública interna é utilizada como muleta por diversos governos para resolverem problemas complexos. O texto ajuda a compreender o papel desempenhado por militares em questões civis nos últimos anos e como isso têm contribuído para um protagonismo da caserna na política institucional brasileira.

 

5. O papel das mídias sociais na propagação do discurso conservador no Brasil contemporâneo (https://www.cesop.unicamp.br/vw/1I8TzTK4wNQ_MDA_61815_/7.%20Comunicacao%20politica%20no%20ambiente%20digital.pdf)

Neste artigo, a socióloga e pesquisadora do NEV Natasha Bachini e colegas de outras universidades, inclusive internacionais, observam as campanhas oficiais dos(as) candidatos(as) às prefeituras de todas as capitais brasileiras, em 2020, no Facebook, a partir da análise estatística e de enquadramentos. É feito um balanço das experiências campanhas digitais no país e aponta-se as tendências de campanhas negativas, personalistas e imagéticas, corroborando as hipóteses da espetacularização e do populismo digital. Os resultados da pesquisa mostram ainda o predomínio das campanhas da direita na plataforma a partir de uma estratégia discursiva que associa temas como corrupção, economia e segurança pública, e pauta questões morais, relacionadas à religiosidade e à família, reproduzindo, em boa medida, o enquadramento adotado por Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018.

 

*O NEV/USP é um dos Centros de Inovação, Pesquisa e Difusão (CEPID), programa de fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)