Medidas protetivas na luta contra a violência doméstica

09/08/2021

Publicado no Monitor da Violência (G1), projeto do qual o NEV e colaborador.

Por Debora Piccirillo, Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP)

A situação de pandemia exacerbou diversos problemas sociais historicamente presentes na sociedade brasileira: o aumento do desemprego e do número de pessoas abaixo da linha da pobreza, a maior quantidade de pessoas em situação de rua e a intensificação das situações de violência doméstica. Só no primeiro semestre de 2021, aproximadamente 200 mil pedidos de medidas protetivas de urgência foram emitidos a nível nacional.

As medidas protetivas de urgência são dispositivos jurídicos colocados em ação em razão da publicação da Lei Federal nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Reconhecendo a violência doméstica e familiar contra as mulheres como uma forma particular de violência, que possui dinâmicas próprias, a Lei Maria da Penha criou dispositivos tanto de prevenção dessa forma de violência, quanto de proteção às mulheres vítimas.

As medidas protetivas de urgência podem ser concedidas pelo juiz em até 48 horas após o pedido da mulher agredida e podem ser determinadas inclusive antes da audiência com as partes, caso seja verificado risco à vida, à integridade física ou psicológica da mulher. Elas são, portanto, elementos fundamentais na proteção das mulheres em situação de violência doméstica.

Os dados do Monitor da Violência indicam uma tendência de aumento dos pedidos de medida protetiva de urgência de 13,8% em comparação entre o primeiro semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2021. A nível nacional, houve também um aumento de 15,1% nas medidas efetivamente concedidas pelos juízes.

O dado não é surpreendente. Pesquisas e dados oficiais de diversos países têm indicado que o período da pandemia de Covid-19 revelou um aumento das agressões físicas, psicológicas e sexuais contra as mulheres. Se há mais situações de violência doméstica, é possível que se aumente também a busca por serviços de proteção, apesar da dificuldade em acessá-los durante o período de restrições.

A tendência, entretanto, não é homogênea. Em Roraima, em Rondônia, no Distrito Federal e em Tocantins houve queda nos pedidos de medidas protetivas. Chamam atenção os estados da Paraíba, Alagoas e Piauí que tiveram o expressivo aumento de 75,9%, 63,6% e 27,6% respectivamente. Os estados Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul não forneceram a informação.

Observando a variação entre o primeiro semestre de 2020 e o de 2021, houve um aumento de 15,1% na concessão de medidas protetivas de urgência. Chama atenção também os dados de revogação das medidas protetivas de urgência. Em comparação com o primeiro semestre de 2020, houve um aumento de 40,8% na revogação das medidas no primeiro semestre de 2021.

De acordo com a Lei Maria da Penha, o juiz pode revogar a medida protetiva de urgência quando verificar que não há mais necessidade da medida, como a prisão do agressor ou a colocação da vítima em programas de assistência e proteção. Por isso, é possível que medidas revogadas no primeiro semestre de 2021 tenham sido aplicadas há muito tempo e se tornado desnecessárias para a proteção da vítima.

O dado mais preocupante, entretanto, se refere ao número de medidas negadas pelos juízes: foram 15.522 só no primeiro semestre de 2021, um aumento de 13,5% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Os dados por si só não permitem compreender as motivações para conceder ou negar uma medida protetiva, nem qual foi o tipo de medida que tem sido mais ou menos negado ou concedido. Isso porque a Lei Maria da Penha prevê diversas possibilidades de proteção às mulheres.

Para garantir a proteção das mulheres vítimas, é fundamental compreender as justificativas para as decisões dos juízes, que precisam ser claras e transparentes, não só para que a mulher vítima compreenda o procedimento judicial e não deixe de buscar as instituições para sua proteção, como para a promoção de políticas públicas adequadas aos casos reais de violência doméstica, com o fortalecimento dos demais órgãos responsáveis pela execução das medidas de proteção.

Debora Piccirillo é pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP)

 

Link original completo: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2021/08/07/medidas-protetivas-na-luta-contra-a-violencia-domestica.ghtml