Nota de Repúdio contra a Violência Política no Brasil

29/01/2021

O Núcleo de Estudos da Violência da USP vem externar seu repúdio e consternação em relação aos atos de violência política praticados contra representantes eleitas de diversas cidades e estados brasileiros desde as últimas eleições municipais. Infelizmente, não é nova no Brasil a prática de violência motivada por interesses políticos contra representantes dos poderes Executivo, […]

O Núcleo de Estudos da Violência da USP vem externar seu repúdio e consternação em relação aos atos de violência política praticados contra representantes eleitas de diversas cidades e estados brasileiros desde as últimas eleições municipais.

Infelizmente, não é nova no Brasil a prática de violência motivada por interesses políticos contra representantes dos poderes Executivo, Legislativo e também membros do Poder Judiciário, em todos os níveis federativos. Ao contrário da aparência de fatos episódicos, isolados e individualizados, esse tipo de violência é prática constitutiva e marca a história e o imaginário de um país que nunca foi capaz de dissociar a disputa pelo exercício dos direitos políticos da violência brutal e mortal.

Essas práticas que buscam intimidar, ameaçar, silenciar e muitas vezes assassinar candidatos a cargos eletivos, representantes eleitos ou outros agentes públicos, acentuam-se em períodos eleitorais, e vêm aumentando nos últimos anos em função do cenário de alta polarização política. Casos marcantes, em 2018, foram o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 14 de março, na cidade do Rio de Janeiro e o atentado à faca contra o então candidato Jair Bolsonaro, em 06 de setembro, em Juiz de Fora (MG), ambos em polos antagônicos do atual espectro político. De acordo com relatório publicado em 2020 pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, que dá luz a diversos outros estudos produzidos sobre o tema, ocorreram 327 casos de violência política, entre 1o de janeiro de 2016 e 1o de setembro de 2020, sendo que 136 dos casos em 2019, após as eleições presidenciais de 2018. O relatório identificou no período 68 assassinatos, 57 atentados à vida, 85 ameaças, 33 agressões, 59 ofensas, 21 invasões e quatro criminalizações. Em termos de assassinatos e atentados, o Nordeste lidera com  55 casos, seguido do Sudeste com 34 casos, do Norte com 18 casos, do Sul com 10 casos e do Centro-Oeste com oito casos, sendo que 83% ocorreram em cidades do interior. Vereadoras/es, Prefeitas/os e Vice-Prefeitas/os são 91% das vítimas, sendo que 76% são mulheres. As investigações são parcas e a responsabilizações insuficientes, o que favorece a continuidade dessas violências.

Pesquisa coordenada por Renata Neder e Pablo Nunes do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) identificou 84 assassinatos de candidatos e políticos, do início de 2020 até o pleito eleitoral em novembro, inclusive com base em monitoramento do Twitter, e indicou que a impunidade dos casos e o estímulo aberto de altas autoridades públicas ao ataque a jornalistas, ativistas e atores políticos contribui para o aumento do fenômeno.

O que parece ser novidade nos últimos anos é primeiramente o aumento da violência praticada contra candidatas/os eleitas/os que representam grupos historicamente discriminados, como mulheres, pessoas negras, comunidade LGBTQ+, indígenas, quilombolas e outros, numa associação perversa entre disputa por dominação política e ódio identitário contra os esforços para a ocupação de espaços de poder político por esses grupos. O caso mais recente que temos notícia é do atentado a tiros, no último dia 27 em São Paulo, contra a casa de Carol Iara, covereadora negra e intersexo do PSOL. Em primeiro lugar, essa violência macula a diversidade da democracia e fere diretamente o princípio fundamental do pluralismo político. Em segundo lugar, a extensão dessas violências por canais de internet, sobretudo nas mídias sociais, dão os contornos de um fenômeno que se massifica e se espraia a espaços e tempos cada vez menos delimitados, ao provocar sofrimento contínuo às vítimas e deterioração ainda mais profunda da democracia.

Não é demais lembrar que crimes praticados contra autoridades públicas são considerados agravantes penais justamente por ferir o Estado democrático de Direito e as liberdades políticas, além das próprias vítimas. Diante disso, o Núcleo de Estudos da Violência faz ecoar os clamores de diversas organizações para que as instituições responsáveis, como a Polícia Federal, os Ministérios Públicos Federal e Eleitoral, bem como o Poder Judiciário e os poderes executivos competentes, façam valer a Constituição Federal e as demais normas, investigando prontamente e responsabilizando os agressores, além de oferecer as devidas proteções à integridade das/os representantes políticas/os ameaçadas/os. A violência política não é somente individual ou partidária. Ela viola as bases da democracia e do Estado de direito, e ameaça as liberdades públicas de todas/os e cada uma de nós.