Redes sociais e produção de discursos políticos no parlamento brasileiro: Uma aproximação a partir das interações no Twitter

24/04/2020

Autores: Efraín García Sánchez, Pedro Rolo Benetti, Marcos César Alvarez, Erick Gómez Nieto

As redes sociais são um importante meio de comunicação com grande potencial para mobilizar a opinião pública e influenciar a agenda política. Os trending topics ou tópicos de interesse público geralmente capturam a atenção dos cidadãos e de vários atores políticos, o que estimula a participação e a interação das pessoas em torno dessas questões. Assim, a comunicação e a interação entre pessoas acerca desses tópicos constituem um mecanismo chave de produção discursiva e promoção de ideologias. Por esse motivo, a análise das interações dos membros do parlamento nas redes sociais constitui um cenário único para identificar padrões de comunicação de conteúdo político e para a formação de grupos que os disseminam, reforçam ou confrontam.

Dentro da linha de pesquisa “Análise de representações sociais e discursos sobre segurança, violência, direitos humanos e democracia” (projeto NEV / CEPID / FAPESP), analisamos o número total de respostas (N = 20.076) que os parlamentares brasileiros (436 deputados federais e 78 senadores) trocaram entre si na rede social do Twitter no ano de 2019. Isso permite identificar os padrões de interação entre parlamentares no Brasil nessa rede social, além de ajudar a entender como certos tipos de discursos políticos são produzidos e/ou promovidos a partir daí.

Usando técnicas de análise de rede descritas em nosso boletim informativo anterior, desta vez encontramos vários elementos para destacar. Primeiro, há uma grande assimetria na comunicação nas redes sociais entre parlamentares. Há parlamentares que têm um maior grau de centralidade na rede, ou seja, que têm um número maior de interações na rede social, seja porque escrevem respostas para outros parlamentares, seja porque as recebem. Entre os cinco parlamentares com maior grau de centralidade na rede estavam Carla Zambelli (@CarlaZambelli17, PSL), Eduardo Bolsonaro (@BolsonaroSP, PSL), Joice Hasselmann (@joicehasselmann, PSL), Rodrigo Maia (@RodrigoMaia, DEM) e Davi Alcolumbre, (@davialcolumbre, DEM). Esse grau de centralidade é um indicador de muita atividade nas redes sociais, ao produzir conteúdos e reagir a outros parlamentares. Confirma igualmente a importância das redes sociais na estratégia política que levou Jair Bolsonaro à presidência da república. À exceção dos dois presidentes das casas legislativas, os outros três perfis com maior centralidade foram figuras importantes na campanha de 2018 e, ao longo de 2019, seguiram exercendo papel de mobilização pró-governista no ambiente virtual. Por mais que Joice Hasselman tenha rompido com o governo no final do ano, sua presença na lista atesta quanto as redes constituem uma base de organização e pressão valorizada pelo assim chamado bolsonarismo.

Um segundo aspecto a destacar é a identificação de padrões de interação dentro dessa rede de relacionamentos. Como pode ser visto na figura abaixo, por meio de um algoritmo de classificação, foi possível identificar cinco grupos de parlamentares com maior probabilidade de interação entre si. Estes grupos são compostos, em sua maioria, por atores com alguma afinidade política e ideológica, reforçando a ideia de que o uso da ferramenta não estimula o debate entre diferentes concepções de mundo, mas antes favorece a interação entre redes de indivíduos que se posicionam no mesmo campo, exceção feita ao grupo (1) que aparece em verde, composto exclusivamente por senadores e que comporta membros de diferentes blocos políticos. Os outros quatro grupos são compostos por deputados federais e podem ser divididos entre (2) uma base governista mais fiel, posicionada abaixo em verde-água; (3) um bloco de parlamentares dos partidos mais tradicionais da câmara, com destaque para figuras do chamado centrão, que aparece em azul no centro da imagem; (4) um grupo de parlamentares da oposição de esquerda, situados em vermelho à esquerda do grafo; e (5) um conjunto de deputados mais jovens, em sua maioria associados aos movimentos de renovação política de agenda “liberal” que se organizaram de maneira suprapartidária nas eleições de 20181.

 


Veja a versão na tela cheia aquí.

A partir da separação dos grupos, foi possível analisar as publicações com maior impacto (curtidas, respostas e compartilhamentos) de cada um. Embora os grupos tenham perfis próprios de comunicação, facilmente identificáveis e diferentes entre si, chama atenção que em boa parte das respostas de maior impacto verifica-se uma dinâmica de enfrentamento aos adversários, como num prolongamento dos debates eleitorais centrados na desconstrução da imagem dos opositores. Temas que passaram semanas ocupando as principais manchetes do país ao longo de 2019 (as queimadas na Amazônia, os vazamentos de óleo no litoral do país, a greve de trabalhadores da educação e estudantes ou o desastre da barragem em Brumadinho) simplesmente não figuram nas publicações com maior impacto em nenhum dos grupos. Em relação ao debate propriamente político, alguns dos eixos da atuação do governo federal, como os seguidos decretos para ampliação do porte de armas, também mobilizam muito pouco os atores parlamentares. Mesmo no caso dos dois grandes projetos governistas que tramitaram pelo legislativo em 2019 (a reforma da previdência e o pacote anticrime), as menções são pouco frequentes e os debates bastante tímidos. Isso não significa que tais temas não tenham sido abordados em outras postagens dos parlamentares, mas que as interações entre eles que produzem mais impacto e, portanto, visibilidade não são centradas na divergência de ideias sobre estes tópicos e sim no enfrentamento de outro tipo, como nos exemplos a seguir:

O NEV, nas últimas décadas, tem desenvolvido pesquisas voltadas para a questão da permanência do autoritarismo na sociedade brasileira e os consequentes desafios para a consolidação da Democracia no país. A emergência e o fortalecimento de discursos contrários aos Direitos Humanos, desde a transição democrática, bem como de grupos políticos associados a esses discursos, que ganharam nova dimensão nas últimas eleições, apontam para questões acerca da legitimidade e da confiança nas instituições e nas ações estatais. A pesquisa nas redes sociais, aqui aprofundada a partir da dinâmica própria do Twitter, permite aprofundar como discursos se produzem ou reproduzem no ambiente virtual e como grupos políticos interagem por meio desses discursos. Técnicas aqui empregadas, como de visualização de dados e de análise de redes, permitem identificar padrões, de outra forma não caracterizáveis, de interação e de circulação de enunciados. No prosseguimento das pesquisas, novos padrões serão explorados tendo em vista esclarecer como discursos populistas e antidemocráticos estão presentes no debate público do país.