Resistência à Implantação dos Direitos Humanos no Brasil e Ambigüidades do Aparelho Judiciário na Consolidação da Sociedade Democrática

Esta pesquisa conjugou a realização de dois projetos. O primeiro tem por objeto a intervenção da sociedade civil organizada na implantação dos Direitos Humanos para os trabalhadores do campo. Empiricamente, cuidou-se de analisar o desempenho – vale dizer, alcance e eficácia – de organizações não governamentais (como a Comissão Pastoral da Terra/CPT e o Movimento dos Trabalhadores sem Terra/MST), bem como dos sindicatos rurais diante da violência cometida contra camponeses e outros trabalhadores assalariados. O segundo projeto propôs-se a examinar o comportamento do Poder Judiciário diante das denúncias de violência no campo. Buscou-se avaliar a eficácia jurídica das garantias constitucionais relativas à preservação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Os dois projetos tiveram por fundamento empírico vasta e heterogênea documentação, agrupada em Inquérito instaurado pela Procuradoria Geral da República e pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgãos federais, para apuração de responsabilidade penal em denúncias de assassinatos de trabalhadores, de lideranças sindicais e de lideranças de movimentos sociais, bem como denúncias de torturas e maus tratos, trabalho escravo, seqüestros, invasão e destruição de casas, agressões físicas, expulsão de terra, apropriação de instrumentos de trabalho, desaparecimentos. A documentação compreende casos de violência, ocorridos entre 1976 e 1991, concentrados na região conhecida como Bico de Papagaio, a qual abrange área do estado de Tocantis, ao norte de Goiás e sudeste do Pará, entre os Rios Araguaia e Tocantins. A análise também recorreu a informações subsidiárias contidas nos relatórios anuais da CPT e do MTS, assim como se apoiou na literatura especializada como forma de preencher lacunas observadas no exame das fontes documentais.

Os resultados alcançados revelaram que os conflitos de terra são os que ocorrem em maior número e geram a maioria das vítimas fatais. Os conflitos trabalhistas resultam, via de regra, do descumprimento das leis de proteção ao trabalho. O trabalho escravo é uma realidade disseminada pelo país e sobretudo em fazendas de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará. Os principais atores envolvidos na violência rural são, de um lado, fazendeiros – grandes e médios – e pistoleiros; e, de outro, trabalhadores rurais, posseiros, agentes eclesiais, líderes sindicais, ativistas dos movimentos de direitos humanos e índios. A natureza dos conflitos (terra ou trabalho), suas formas de superação, (em geral, supressão do adversário), os meios e instrumentos empregados nas contendas (utilização de armas de fogo, de tocaias), as modalidades de ação violenta (individual ou coletiva) sugerem a existência de uma criminalidade organizada no campo constituída às voltas da pistolagem, verdadeira instituição para o recrutamento e formação de homicidas profissionais.

Observou-se também que o recrudescimento da violência ocorre justamente quando a problemática da reforma agrária ocupa lugar de destaque nacional nos principais fóruns de debate: mídia (imprensa, rádio e TV), nas casas legislativas, nos gabinetes executivos, nas universidades e centros de pesquisa, nos sindicatos e nas organizações patronais, em especial nas sociedades de empresários agrícolas. Tal é o que se verificou no período de 1985-1988, durante a existência do Ministério da Reforma Agrária.

As principais causas da violência rural devem ser buscadas na concentração da propriedade privada da terra e na ausência de reforma agrária, no descumprimento das leis trabalhistas e na elevada impunidade dos agressores, elemento indicativo da omissão, descaso do poder público, através de suas agências (políciais estaduais e federal, Ministério Público e Poder Judiciário), no controle da violência extra-legal no campo.

Ficha Técnica

Realizada entre: 1991 - 1993
Financiador(es): Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifíco (CNPq)
Coordenadores: Sérgio Adorno
Paulo Sérgio Pinheiro
Pesquisadores: Anamaria Cristina Schindler
Adriana Hanff da Silva
Helena Singer
Malak Poppovic
Auxiliares de pesquisa: Jacqueline Sinhoretto