O Estado de S.Paulo: Marçal domina interações na campanha e contas são usadas como trampolim para ‘Jogo do Tigrinho’

02/10/2024

“Por não vir da política partidária-institucional, ele capta os anseios antissistêmicos e se coloca como uma autêntica novidade na política. Além disso, sua narrativa condensa elementos do neoliberalismo e do neoconservadorismo presentes na narrativa bolsonarista, que vem predominando no campo da direita nos últimos anos e responde a parte significativa das preocupações e sentimentos da população, empobrecida, insegura e religiosa. Assim, a partir de uma linguagem jovem e mais informal, ele se apresenta como homem bem-sucedido, próspero, que enriqueceu por mérito próprio, de fé, que zela pela família e defende o ‘cidadão de bem’, com todas as armas”, afirma Natasha Bachini, pós-doutoranda no NEV/USP, para o repórter Guilherme Caetano, do jornal O Estado de S.Paulo.

Em matéria publicada online na última terça, 1, e reproduzida na edição impressa desta quarta, 2, o jornal repercute achados do projeto “Criminalidade, Insegurança e Legitimidade: uma abordagem transdisciplinar” (CIL), iniciativa conjunta de pesquisadores ligados a duas diferentes unidades da USP: o Instituto de Ciências Matemáticas e Computação de São Carlos e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV), sediado na FFLCH, em São Paulo, desenvolvido com fomento da Fapesp.
 
Com os canais oficiais suspensos por decisão da Justiça Eleitoral, Pablo Marçal alcançou cerca de 80% do total de interações entre os candidatos à prefeitura com suas contas reservas nas redes, no período de 30 de agosto a 13 de setembro de 2024. O monitoramento do período também demonstra a repercussão do que foi noticiado pelas principais postagens de agências de checagem de fatos e o desempenho de hashtags políticas usados por perfis de jogos online.

Marçal domina interações na campanha e contas são usadas como trampolim para ‘Jogo do Tigrinho’

Análise de 781 mil resultados para a busca por #pablomarçal no Instagram identificou centenas de perfis de divulgação de plataformas de caça-níqueis digitais; procurada, campanha do candidato do PRTB não se manifestou

Atualização: 

BRASÍLIA – Mesmo com os perfis oficiais suspensos pela Justiça Eleitoral, Pablo Marçal (PRTB) tem nove de cada dez interações digitais entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo. O predomínio do ex-coach no Instagram, no qual conquistou 5,4 milhões de seguidores em cinco semanas, vem atraindo contas suspeitas de conteúdo alheio ao pleito eleitoral.

A partir de uma análise de 781 mil resultados para a busca por #pablomarçal, pesquisadores da USP que vêm monitorando o debate digital na eleição paulistana identificaram centenas de perfis de divulgação de caça-níqueis online, como o Jogo do Tigrinho, e venda de seguidores tentando se associar à imagem do ex-coach. Procurada, a campanha do PRTB não se manifestou.

Cassinos online, sites de apostas e jogos similares vêm despertando preocupação em autoridades enquanto dados começam a revelar o tamanho desse mercado no País. Neste ano, as apostas esportivas devem movimentar R$ 240 bilhões, segundo estudo recente do Banco Central. Além do possível envolvimento de casas de apostas em esquemas de lavagem de dinheiro, a prática é alvo de críticas por levar brasileiros ao vício e à penúria financeira.

Os pesquisadores avaliam que, dada a popularidade de Marçal nas redes, esses perfis de jogos lançam mão de uma estratégia para atrair seguidores e interações para esses perfis. Esse tipo de conteúdo começou a ser sugerido pelo Instagram aos usuários, aponta o estudo. Tratam-se em geral de perfis com fotos de mulheres de biquíni, baixo número de seguidores e comentários, links para sites suspeitos e muitas publicações sobre caça-níqueis virtuais e promessas de renda fácil.

No fim de setembro, as hashtags ligadas ao candidato do PRTB geravam de oito a 270 vezes mais buscas no Instagram que seus adversários: #pablomarcal (815 mil), #pablomarçal (581 mil), pablomarcal1 (335 mil), #datena (103 mil), #ricardonunes (77 mil), #boulos (50 mil), #guilhermeboulos (31 mil), #tabataamaral (10 mil), #marinahelena (3 mil).

A análise das interações (curtidas, comentários e compartilhamentos) nos perfis oficiais de Marçal, Guilherme Boulos (PSOL), Tabata Amaral (PSB), Marina Helena (Novo), Ricardo Nunes (MDB) e José Luiz Datena (PSDB) mostra também uma maioria esmagadora do candidato do PRTB: 89% do total. O ex-coach tem um grupo entre centenas e milhares de contas anônimas de apoio, cultivadas desde antes do período eleitoral, que ajuda a turbinar sua popularidade digital.

“O repentino crescimento dos perfis ‘reserva’ de Marçal, sobretudo no Instagram, é algo que merece atenção, pois distorce o cenário da disputa eleitoral. O Instagram é atualmente a plataforma mais utilizada no Brasil, especialmente para a promoção e venda de produtos e divulgação de sites e jogos de apostas. A referência a Marçal impulsiona fortemente a visualização dos perfis a ele associados, e o uso de hashtags é uma estratégia fundamental nesse processo”, diz o relatório.

A socióloga Natasha Bachini, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e uma das coordenadoras do estudo, diz não ter identificado o uso de hashtags de outros candidatos por contas suspeitas como estratégia de impulsionamento do conteúdo desses perfis, e que isso parece se associar ao espectro ideológico da direita.

“Verificamos também o uso das hashtags #bolsonaro e #elonmusk, outras figuras muito populares nas redes, sobretudo entre os usuários alinhados à direita e à extrema-direita, o que sugere que tais canais têm como alvo um público específico, simpatizantes desses atores e seu discurso”, diz ela.

Para Natasha, uma das razões do desempenho de Marçal é fato de o candidato ter construído sua imagem na internet antes de ingressar na vida pública, como ex-coach e influenciador digital, de modo que transferiu sua popularidade do campo motivacional para o político. Outra é o eficiente uso dos reels, vídeos curtos que viralizam com maior facilidade nas redes.

“Por não vir da política partidária-institucional, ele capta os anseios antissistêmicos e se coloca como uma autêntica novidade na política. Além disso, sua narrativa condensa elementos do neoliberalismo e do neoconservadorismo presentes na narrativa bolsonarista, que vem predominando no campo da direita nos últimos anos e responde a parte significativa das preocupações e sentimentos da população, empobrecida, insegura e religiosa. Assim, a partir de uma linguagem jovem e mais informal, ele se apresenta como homem bem-sucedido, próspero, que enriqueceu por mérito próprio, de fé, que zela pela família e defende o ‘cidadão de bem’, com todas as armas”, afirma.