Histórico

O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) está vinculado ao trabalho desenvolvido pela Comissão Teotônio Vilela (CTV), grupo de intelectuais, artistas e políticos (entre os quais Paulo Sérgio Pinheiro, professor de ciência política da USP) que se reunia periodicamente desde o começo da década de 1980 para monitorar e combater as violações de direitos humanos praticadas em instituições fechadas.

As atividades de intervenção realizadas pela CTV apontavam a necessidade de um trabalho de pesquisa sistemático para reunir e analisar informações sobre temas relacionados à violência e direitos humanos, com objetivo de qualificar e dar mais densidade aos debates sobre estes temas. Diante desta lacuna e a partir de uma parceria entre Paulo Sérgio Pinheiro e Sérgio Adorno (professor do departamento de sociologia da USP), inicia em 1987 o processo de criação de um centro de documentação e pesquisas sobre criminalidade, violência e direitos humanos na Universidade de São Paulo.

Inicialmente estabelecido nas salas dos próprios professores na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), o Núcleo de Estudos da Violência se tornou em 1990 um dos Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAP) da Pró-Reitoria de Pesquisa Universidade de São Paulo (PRP-USP), o que garantiu não apenas espaço físico mais adequado (o NEV foi instalado na área das colmeias da USP), como também mais autonomia, abrindo espaço para a colaboração de pesquisadores de outras áreas de conhecimento, como a Dra. Nancy Cardia (Psicologia Social) que passou a integrar o NEV em 1989.

Tal arranjo indica que alguns dos elementos marcantes na trajetória do NEV-USP estiveram presentes desde a sua formação: a vocação para a realização de um trabalho interdisciplinar e a proposta de incorporar à pesquisa um compromisso de intervenção na realidade. As primeiras pesquisas desenvolvidas já sinalizavam o interesse por uma abordagem a respeito de questões como violência e direitos humanos que considerasse tanto o papel do Estado, quanto da sociedade.

Paulo Sérgio Pinheiro e Sérgio Adorno na inauguração da primeira sede do NEV
Arquivo Pessoal

Um dos primeiros projetos de investigação realizados – “O Sistema de Administração da Justiça Criminal” (1987-1994) –  colocou em evidência, como resultados, a inoperância das políticas públicas e a ausência de articulação entre instituições na democracia, apontando a continuidade de modelos adotados durante a vigência da ditadura militar (1964-1988). Deste estudo surge a pesquisa “O Autoritarismo Socialmente Implantado” (1987-1991), cuja hipótese principal sustentou que  o domínio exercido pelas elites do poder se deveu, em grande medida, à legitimação popular.  Esse domínio, vigente por largo período histórico, pôde ser explicado pelas raízes profundas do autoritarismo, mantidas através das relações cotidianas interpessoais, marcadas tanto na esfera familiar quanto na esfera pública, pela violência, intolerância e hierarquia.

Posteriormente, o projeto “Continuidade Autoritária e Consolidação da Democracia” (1994 a 2000) buscou examinar o papel das violações dos direitos humanos no processo de democratização brasileiro, de construção da cidadania pós-Constituição de 1988 e reconquista do  Estado de Direito. Por meio da reconstrução de casos de graves violações dos direitos humanos, ocorridos entre 1980 e 1989, fundamentada em rigorosa investigação documental e de campo,  foi possível demonstrar que litígios dessa natureza compreendem agentes e cenários bem delimitados, além de uma cadeia de relações hierárquicas entre seus protagonistas.

Aliado ao trabalho de pesquisa, o NEV teve papel fundamental também em importantes iniciativas para a promoção dos direitos humanos, como a colaboração com a formulação e atualização do Plano Nacional de Direitos Humanos (1996) e do Plano Estadual de Direitos Humanos (1997), a realização do Seminário “São Paulo Sem Medo”, promovido em parceria com a Fundação Roberto Marinho e Rede Globo (1997), a criação do Instituto São Paulo contra a Violência (1997). Em fins de 1999 o NEV saiu do espaço das colmeias e passou a funcionar em um galpão próximo à Faculdade de Economia e Administração da USP. A ampliação do espaço foi fundamental para garantir a alocação e ampliação da equipe de pesquisa e de apoio.

A partir de 2000, o NEV passou a ser um integrante do programa “Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão” uma linha de financiamento da FAPESP, voltada para projetos de pesquisa com capacidade de promover inovação, a par de atividades de difusão de conhecimento e transferência de tecnologia. A proposta inicial deste primeiro CEPID foi estruturada em cinco linhas de pesquisas: 1) Monitoramento das Graves Violações de Direitos Humanos; 2) Construção das Políticas de Segurança Pública; 3) Estudo da Impunidade Penal; 4) Representações sobre Direitos Humanos, Justiça e Punição e 5) Teoria Integrada dos Direitos Humanos. Este projeto foi renovado cerca de 5 anos depois com 2 linhas de pesquisa: 1) Monitoramento das Graves Violações de Direitos Humanos e 2) Democracia, Estado de Direito e Direitos Humanos.

O financiamento da FAPESP foi primordial para institucionalização do NEV, pois garantiu estabilidade e a possibilidade de desenvolvimento de uma pesquisa multidisciplinar de longo prazo, além do investimento em atividade de educação, transferência e difusão de conhecimento voltadas para um público não acadêmico, como a Rede de Observatórios de Direitos Humanos, a elaboração do site Guia de Direitos e o projeto Promovendo o Direito ao Desenvolvimento Saudável de Adolescentes Grávidas e seus filhos: um programa piloto de visitas domésticas para prevenção primária da violência.

Seguindo a tradição de aliar a pesquisa científica à intervenção no debate público e na formulação de políticas públicas, o NEV desenvolveu ainda importantes iniciativas relacionadas à área de Segurança e Justiça, como a série de livros Polícia e Sociedade, editada pela Edusp e que teve o apoio financeiro da Fundação Ford; a série de livros Direitos Humanos, também com a Edusp, os manuais sobre Violência nas Escolas e de Policiamento Comunitário, o Curso de Gestão Organizacional em Segurança Pública e Justiça Criminal e o desenvolvimento da Metodologia para acompanhamento de casos de letalidade para ser utilizado por ouvidorias de polícia.

A colaboração do NEV com outras instituições nacionais e internacionais levou a integrar redes de cooperação em diversos temas. Desde 2004 o NEV é um Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde, no qual participa de fóruns e pesquisas a respeito da prevenção da violência. Entre 2008 e 2014, o NEV foi sede do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Violência, Democracia e Segurança Cidadã, uma rede acadêmica financiada pelo CNPq, que reuniu seis centros de pesquisa de excelência de diversas regiões do país, especializados no estudo da violência, democracia, direitos humanos e segurança pública. Além disto, desde 2010 o NEV integra a Rede de Justiça Criminal, que reúne organizações da sociedade civil preocupadas com o uso abusivo da prisão provisória no Brasil. Em razão da demolição de toda área de galpões onde se localizava a sede do NEV, em 2011 houve uma nova mudança para um prédio de propriedade do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), mediante acordo de permissão de uso,  com instalações mais amplas e mais adequadas às necessidades da equipe.

No ano de 2012, o NEV concorreu e foi selecionado em um novo edital da pesquisa CEPID com a proposta “Building Democracy Daily: Human Rights, Violence and Institutional Trust”, um programa de pesquisa dedicado a investigar de que maneira a legitimidade de instituições fundamentais para a democracia é construída ou colocada em risco no cotidiano, a partir das relações entre cidadãos e responsáveis pelos serviços públicos em geral.

Todas essas atividades contribuíram para a formação de recursos humanos, em todos os níveis acadêmicos, para a constituição de bancos de dados e acervo documental especializado e para intervenções no debate público e na formulação de políticas públicas de segurança, justiça e direitos humanos compatíveis com o Estado democrático de Direito.