Redes sociais e discursos políticos: esboço para uma análise de redes no Parlamento brasileiro

26/03/2020

Por Efraín García-Sánchez, Pedro Benetti, Erick Gomez-Nieto, Gustavo Higa e Marcos César Alvarez O uso de redes sociais por deputados e senadores extrapolou o debate político para muito além do parlamento. As mensagens emitidas por atores políticos em diferentes mídias virtuais possibilitou a divulgação de suas ideias para um público mais amplo, anteriormente inacessível. Agora, […]

Por Efraín García-Sánchez, Pedro Benetti, Erick Gomez-Nieto, Gustavo Higa e Marcos César Alvarez

O uso de redes sociais por deputados e senadores extrapolou o debate político para muito além do parlamento. As mensagens emitidas por atores políticos em diferentes mídias virtuais possibilitou a divulgação de suas ideias para um público mais amplo, anteriormente inacessível. Agora, uma audiência mais diversificada tem acesso a muitos conteúdos e fontes de informação, sendo capaz de interagir virtualmente com quem produz essas informações. Assim, o uso das redes sociais coloca a discussão política em novos patamares, outras lógicas de produção da informação, outros formatos de divulgação e outras possibilidades de interação, diferentes das tradicionais relações face a face ou do uso de meios anteriormente consolidados de divulgação de notícias, como jornais impressos, rádio e televisão.

No entanto, as mensagens disseminadas nas redes sociais são modeladas, entre outros aspectos, pelo tipo de público ao qual são direcionadas e transformadas com base nas interações virtuais entre as pessoas. Em outras palavras, o conteúdo das mensagens varia de acordo com aqueles a quem são endereçadas e igualmente de acordo com a forma como as pessoas os usam para interagir entre si. Nesse sentido, não só é importante analisar “o que é dito” (as mensagens) ou “como é dito” (os formatos), mas “a quem eles dizem isso” (o público) e “como interagem” (relacionamentos) em torno desses conteúdos. Dentro da linha de pesquisa “Análise de representações sociais e discursos sobre segurança, violência, direitos humanos e democracia”, como parte do projeto NEV/CEPID/FAPESP, busca-se analisar as interações dos parlamentares nas redes sociais, a fim de explorar como essas interações são feitas e compõem grupos ou “coalizões” que produzem discursos e promovem idéias na agenda política do país.

Para atingir esse objetivo, entre outras possibilidades de investigação, analisa-se a rede social Twitter por meio de técnicas de análise de redes. Por um lado, o Twitter constitui um ambiente virtual útil para conhecer o conteúdo das mensagens e os atores que interagem por meio dessas mensagens. Em outras palavras, o Twitter permite saber “quem fala com quem e sobre o quê”. Por outro lado, a análise de rede é um conjunto de técnicas metodológicas que descrevem e exploram padrões aparentes nas relações sociais dos indivíduos, bem como nos grupos que se formam entre eles. Em muitas ocasiões, esses padrões de relacionamento e grupos não são perceptíveis a olho nu, nem são reduzidos a atributos individuais explícitos, como afiliação a partidos políticos. Além disso, essas técnicas permitem visualizar os relacionamentos por meio de gráficos que facilitam a rápida interpretação de informações complexas. Complementarmente, é possível analisar as propriedades das estruturas de rede e suas implicações para a ação social ou, no caso em estudo, para a produção de discursos políticos.

Para ilustrar essa metodologia, apresenta-se abaixo um exemplo de análise de rede com base nas respostas emitidas por deputados e senadores no Brasil em 2019 na rede social do Twitter. As respostas consistem em mensagens (tweets) endereçadas diretamente a outros usuários desta rede social. Para isso, foram baixadas todas as respostas registradas no Twitter de 514 parlamentares (436 deputados federais e 78 senadores). No total, foram coletadas 438.082 respostas, das quais 294.678 foram respostas para os próprios autores das mensagens. Estas respostas foram cadeias de mensagens dos mesmos parlamentares respondendo a eles mesmos. Isso significa que a maioria dos parlamentares usa a rede social para produzir mensagens e, em menor grau, para interagir com os outros. Além disso, do total de respostas direcionadas a outros usuários, só 20.076 foram direcionadas a outros parlamentares, o que sugere que a discussão entre parlamentares na rede social do Twitter é relativamente pequena, em comparação com as interações que eles têm com pessoas da comunidade civil e política fora do parlamento.

 

Do ponto de vista das redes de interação, a figura mostra as interações entre os partidos políticos a partir das respostas dos parlamentares (20.076) de acordo com sua filiação partidária. Várias informações são apresentadas nesta figura. Cada círculo representa um partido político. O tamanho dos círculos representa o grau de centralidade (degree) do partido político dentro da rede, ou seja, quantas respostas ele gera e recebe. A posição dos círculos na figura indica seu grau de proximidade com outros membros da rede. A espessura das linhas que conectam os círculos representa a força do relacionamento entre os partidos políticos, medida como o número de respostas entre esses partidos. A cor dos círculos consiste nos grupos com maior probabilidade de conexão entre si.

Acesse a versão interativa aqui.

A partir do que foi dito, pode-se observar que PSL, PSD, PSDB e DEM têm maior centralidade (círculos maiores) e estão fortemente associadas entre si, dando origem a um grupo (em azul) com fortes interações entre eles. Por outro lado, também foi identificado outro grupo composto por PT, PSOL, PSB, PDT (amarelo). A formação desses grupos indica que há um alto fluxo de informações e interações entre parlamentares desses partidos políticos. Também é importante notar que há maior comunicação entre parlamentares do mesmo partido nos casos do PSL, PT, PSOL e NOVO (linhas que se conectam ao mesmo círculo).

Finalmente, embora este exercício de análise de rede permita identificar alguns padrões nas relações entre parlamentares, ainda é bastante geral. Para qualificar melhor essas relações, será necessário aprofundar as redes de relações entre parlamentares de forma individual, o que poderia demonstrar uma rede muito mais informativa e complexa. Nas etapas a seguir desta investigação, serão analisadas as interações entre as pessoas e os conteúdos que compõem os fluxos dessas informações. Essas análises também podem ser ampliadas para examinar as relações que os membros do parlamento mantêm com a sociedade civil. Nesse sentido, a disponibilidade de informações nas redes sociais e o uso de técnicas de análise de redes permitem capturar outras facetas do discurso político no Brasil, por meio das quais se constroem significados e se produzem ações no âmbito da sociedade brasileira.