NEV na mídia | Porvir: Após extremismo, como a escola pode agir e dialogar com as famílias e os estudantes?

17/04/2023

Os integrantes do Projeto Observatório de Direitos Humanos nas Escolas (PODHE) do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), Veridiana Parahyba Campos, Vitor Blotta e Fernanda Roberta Lemos Silva conversaram com a plataforma Porvir sobre os ataques recentes realizados em escolas ao redor do Brasil. O grupo de pesquisadores apontou a […]

Os integrantes do Projeto Observatório de Direitos Humanos nas Escolas (PODHE) do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), Veridiana Parahyba Campos, Vitor Blotta e Fernanda Roberta Lemos Silva conversaram com a plataforma Porvir sobre os ataques recentes realizados em escolas ao redor do Brasil. O grupo de pesquisadores apontou a importância do apoio às crianças nesse momento e da necessidade de “orientar seus estudantes a não replicar em redes sociais nenhum tipo de conteúdo hipotético e causador de pânico na comunidade escolar”.

Para ler o texto completo acesse o link ou leia na íntegra a seguir:

Porvir: https://porvir.org/extrememismo-escola-dialogo-familias-estudantes/

 

Matéria na Íntegra

“Oi, tia. Estou com medo desse negócio…”. Mensagens como essa, via áudio, de uma criança que fala baixinho e pausadamente, não param de chegar no WhatsApp da professora Emanuella Fernanda Beserra da Silva. Sua turma do 5º ano, de uma escola localizada no município de Carpina (PE), está assustada com boatos de ameaças. “Há alunos que ficam ao meu lado durante a aula toda”, conta.

A dois mil e quinhentos quilômetros da cidade da Zona da Mata pernambucana, em São Paulo (SP), o cenário é semelhante. Estudantes de diferentes instituições, inclusive de universidades, enviam recados aos docentes com medo de ir à aula por causa das “promessas” de ataque.

Qual conduta a escola pode ter? O primeiro passo é pedir calma, reconhecer o sofrimento e abrir espaço para o diálogo dentro do ambiente escolar, sugere a professora Luciene Tognetta, do departamento de psicologia da educação da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo). “Todos estão angustiados. É preciso reconhecer que há um sofrimento de todos nós, que não é aleatório”, analisa.

Coordenadora do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral), cujos estudos buscam respostas aos problemas de violência, agressividade e bullying nas escolas, Luciene diz que é preciso conversar, dentro e fora da escola, sobre a dimensão dessas mensagens.

Há uma grande possibilidade de esses anúncios serem farsas, serem a ponta de um iceberg. Existe algo muito maior por trás: a manipulação da informação, um jogo de recrutamento de jovens e de adultos que se apropriam desse momento para disseminar o ódio, a proteção armada, a cultura do armamento e da militarização”, comenta. “Falta uma legislação que puna, de fato, a indústria que produz informações falsas e que alicia jovens em conversas durante jogos de videogame, por exemplo”, complementa.

Como a escola pode agir?

Luciene pontua que escolas públicas e particulares estão sob o mesmo risco e, por isso, é preciso união entre a comunidade educativa para pensar em medidas coletivas de proteção. “Somos uma única instituição. Temos os mesmos ideais e os mesmos propósitos para cobrar os investimentos que nos faltaram até hoje e que levaram, não ao acaso, à escolha não aleatória da escola como um lugar fragilizado.”

Luciene explica: países que conseguiram combater a violência na escola investem fortemente em educação e em políticas públicas nas quais a temática da convivência está presente. “Os planos de convivência vão sendo construídos com quem está no chão da escola, instrumentalizando os professores para que eles saibam como resolver conflitos cotidianos, para que possam ter tempo de estudar a teoria a partir do que vivenciam.” Envolver a comunidade escolar é fundamental nesse processo.”Quem é a minha comunidade, quem é o professor, quem é o aluno, como fazemos para mudar os problemas da nossa escola? São essas pessoas que devem ser ouvidas para o bom funcionamento de um programa.”

O educador e jornalista Alexandre Le Voci Sayad, diretor da ZeitGeist e co-chairman da UNESCO MIL Alliance, reforça as orientações de Lucilene: “É um momento de realizar a escuta ativa, se você ainda não a realizou na sua escola. É momento de escutar os estudantes, porque a forma de fazer esse acolhimento também tem que partir deles”.

Diante da crise, Alexandre identifica que existem duas ações fundamentais que a escola pode reforçar: trabalhar a questão da desinformação e, ao mesmo tempo, repensar o acolhimento. “É um momento para pensar como podemos construir ações positivas dentro da escola, como abrir em um final de semana para atividades com os pais, fazer um mural de desabafos dos estudantes, criar espaços para eles se abrirem e se expressarem com a sua arte, com textos poéticos e com imagens”, sugere.

Como se comunicar com as famílias?

O que fazer diante dos questionamentos das famílias e dos conteúdos falsos que estão circulando nos grupos de WhatsApp? “A mensagem para passar para os pais é a seguinte: o avião não está caindo, ele está passando por uma turbulência. São duas situações bem diferentes”, indica Alexandre, ao destacar que o gestor deve prestar atenção, mas não pode compartilhar pânico. “É preciso digerir o que está acontecendo, verificar as fontes e a credibilidade, conversar com os iguais, analisar o contexto histórico, e aí criar uma mensagem acolhedora para as famílias. Realista, mas acolhedora.”

Na hora de entrar em contato com os responsáveis, o médico psiquiatra Gustavo Estanislau, especialista em psiquiatria da infância e da adolescência, orienta que é importante a escola manter a calma. “Se a gente está muito angustiado, a tendência é fazer comunicados que disseminam essa angústia”, afirma.

“Nesse momento, é muito importante as equipes escolares tentarem se fortalecer. Isso poderia acontecer em rodas de conversa, com o objetivo de reduzir os maus entendidos, esclarecer e debater, até junto à polícia eventualmente, se alguma notícia que está no jornal ou nos grupos de WhatsApp de pais tem fundamento”, orienta.

Uma equipe mais segura, naturalmente, vai acolher a criança, o adolescente e a família, aponta. “Mais importante do que dar orientações sobre o que falar, é saber como falar”, explica Gustavo, ao defender que os gestos e o tom de voz também são importantes para transmitir segurança e acolhimento.

Ele também sugere não deixar de fazer os outros comunicados sobre assuntos do dia a dia da escola. “Isso ajuda a diminuir um pouco o caráter dramático da situação e a passar a mensagem de que a nossa vida tem que continuar, de que a escola continua o seu curso.”

Entre as incertezas e possíveis medos, também é fundamental se colocar à disposição das mães, pais e responsáveis para tirar dúvidas e esclarecer os boatos. “É importante a escola ser um centro para desmentir coisas que têm surgido”, indica. Nessa hora, buscar culpabilizar alguém ou responsabilizar as famílias também não ajuda. “É importante não culpabilizar as famílias, não culpabilizar o adolescente. Isso só deixa o clima cada vez mais tenso”, diz Gustavo.

Como apoiar os estudantes?

De acordo com Veridiana Parahyba Campos, Vitor Blotta e Fernanda Roberta Lemos Silva, do Projeto Observatório de Direitos Humanos nas Escolas (PODHE), da USP (Universidade de São Paulo), a escola precisa verificar notícias, fontes e eventuais boatos. E deve orientar seus estudantes a não replicar em redes sociais nenhum tipo de conteúdo hipotético e causador de pânico na comunidade escolar.

“Quando necessário, é preciso relembrar que os casos de violência extrema são uma exceção da vida escolar, e que na esmagadora maioria das escolas, existirá um ambiente tranquilo e seguro, que deve ser especialmente fortalecido nesse momento”, sugere o grupo.

Em sala de aula, vale promover atividades coletivas e integradoras sobre cuidado de si e respeito ao próximo. “Reforçar que na vida existem conflitos e sofrimentos, e que as pessoas são diferentes entre si, mas que não podemos transformar conflitos em violência; para tanto, aqueles de quem discordamos, devemos encarar como adversários, dentro de regras de respeito mútuo, e não como inimigos”, apontam os pesquisadores. (A lista completa de orientações está ao final do texto). 

Gustavo Estanislau também ressalta que a assimilação de crianças e adolescentes sobre o momento pode ser diferente, incluindo desde aqueles que estão muito assustados até os que não estão acreditando nas mensagens em circulação. “As estratégias para trabalhar com os alunos precisam ser delicadas, sutis e muito cuidadosas.”

Em rodas de conversa, por exemplo, ele orienta que é preciso fugir do lugar da culpabilização, que vai gerar mais atrito e tensão, e tomar cuidado para que alguns estudantes não se sintam constrangidos com a turma por estarem muito assustados. Trabalhos colaborativos, atividades físicas, meditação e técnicas de respiração também são estratégias que podem ajudar no momento a reduzir o estado de estresse das pessoas.

“Esse é o momento para redobrar a atenção aos pequenos gestos, de dar oi para o aluno todos os dias e demonstrar que está presente. Atos de carinho e cuidado também acabam sendo um antídoto para a agressividade”, indica Gustavo.

Combinados que a escola pode adotar 

  • Verificar notícias, fontes, eventuais boatos e denunciá-los. O canal Escola Segura, do Ministério da Justiça, recebe denúncias anônimas e conta com instrumentos sofisticados para descobrir as fontes dessas mensagens.
  • Não replicar nas redes sociais nenhum tipo de conteúdo hipotético e causador de pânico na comunidade escolar.
  • Não envolver crianças e adolescentes nos processos de averiguação e de denúncia. Procurar distraí-las com outra atividade. Elas não têm maturidade emocional para lidar com boatos dessa natureza.
  • Profissionais da Secretaria da Educação devem conversar com os gestores, a fim de esclarecer o que pode estar acontecendo e ouvir como se sentem, orientando-os para que conversem com os professores e funcionários.
  • Combinar condutas comuns que passem segurança, sem promessas que não poderão cumprir, evitando falas contraditórias e “fofocas”.
  • Planejar com a equipe como conversar com estudantes sobre o que está acontecendo, o que tem ouvido e como se sentem.
  • Abordar também a importância de os alunos não “fazerem ameaças de brincadeira”, considerando o grave momento em que vivemos.

Como dialogar com as famílias 

  • Reunir a equipe para pensar na construção de uma mensagem realista, mas acolhedora para as famílias.
  • Não espalhar o pânico. É preciso digerir o que está acontecendo, verificar as fontes e a credibilidade, conversar e analisar o contexto histórico.
  • Manter a calma para não reproduzir mensagens e criar comunicados que disseminam angústia.
  • Prestar atenção nos gestos e no tom de voz para transmitir acolhimento. Atos de carinho e cuidado também acabam sendo um antídoto para a agressividade.
  • Continuar fazendo outros comunicados sobre assuntos do dia a dia para reforçar que a escola continua em curso.
  • Estar à disposição das mães, pais e responsáveis para tirar dúvidas e esclarecer os boatos.
  • Construir ações positivas em parceria e abrir a escola para as famílias.

O que realizar com os estudantes 

  • Promover atividades coletivas e integradoras sobre cuidado de si e respeito ao próximo.
  • Relembrar, apenas quando necessário, que esses casos de violência extrema são uma exceção da vida escolar, e que na esmagadora maioria das escolas, existirá um ambiente tranquilo e seguro, que deve ser especialmente fortalecido nesse momento.
  • Por meio de atividades lúdicas e artísticas, promover o contato com o próximo, como, por exemplo: rodas de conversa, cirandas, jogos integrativos e cooperativos, exercícios de respiração, meditação coletiva, leituras coletivas de textos não violentos, apresentação de filmes delicados e divertidos (como a animação “Divertidamente”), teatro, dança, música e artes visuais.
  • Promover atividades de escuta, nos quais possam ser compartilhados os sentimentos em relação aos ocorridos, de preferência sob orientação de um profissional de pedagogia ou psicologia.
  • Construir no cotidiano escolar um espaço de acolhimento e escuta empática dos conflitos vivenciados pelos estudantes de modo que todos sejam ouvidos e contemplados em seus desafios, angústias e enfrentamentos. Situações omitidas ou mal resolvidas no cotidiano podem gerar desdobramentos futuros.
  • Em sala de aula, discutir temáticas como extremismos, polarização, direitos humanos, criação de bolhas entre as pessoas. Lembrar que é muito mais importante construir pontes, em vez de muros.
  • Promover atividades sobre liberdade de expressão e sua convivência com outros direitos. Ninguém é livre para ofender o outro. O uso da liberdade para humilhar ou desrespeitar o outro é violência, e não liberdade. Se alguma expressão nossa ofende o outro, devemos repensá-la.
  • Reforçar que na vida existem conflitos e sofrimentos, e que as pessoas são diferentes entre si, mas que não podemos transformar conflitos em violência; para tanto, aqueles de quem discordamos, devemos encarar como adversários, dentro de regras de respeito mútuo, e não como inimigos.
  • Realizar oficinas com as e os educandos sobre os impactos das redes sociais, as fake news, às edições de imagem, a propagação de boatos etc., promovendo um letramento digital e ressaltando a internet como um espaço que deve ser explorado com muita responsabilidade e que contém, em si, ferramentas para controle de conteúdos, como Agência Lupa e Aos Fatos” .