NEV na mídia | Jornal da USP: Adolescentes negros são abordados cada vez mais cedo por policiais, aponta relatório

07/07/2023

O relatório “A experiência precoce e racializada com a polícia: contatos de adolescentes com as abordagens, o uso abusivo da força e a violência policial no município de São Paulo (2016 – 2019)” produzido por  Renan Theodoro, Debora Piccirillo e Aline M. Gomes, pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo […]

O relatório “A experiência precoce e racializada com a polícia: contatos de adolescentes com as abordagens, o uso abusivo da força e a violência policial no município de São Paulo (2016 – 2019)” produzido por  Renan Theodoro, Debora Piccirillo e Aline M. Gomes, pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), foi destacada pelo Jornal da USP em uma matéria que apresenta os principais resultados dos dados do estudo.

De acordo com a pesquisa, a discriminação racial e as abordagens policiais desproporcionais estão presentes desde cedo na vida das crianças e adolescentes, afetando principalmente os jovens negros. “Os brancos são muito menos parados [pela polícia] do que os pretos. O relatório chama a atenção para um debate fundamental de longo prazo, que é o da abordagem policial desproporcional por raça”, declara Renan Theodoro.

Segundo Theodoro, é importante destacar a singularidade do trabalho ao utilizar uma pesquisa do tipo survey com um público não adulto, “é a primeira vez que o NEV considera a opinião de pequenos cidadãos” nesse tipo de estudo. A pesquisa se insere no contexto do “Estudo de Socialização Legal em São Paulo”, desenvolvida no âmbito do Programa NEV-CEPID/Fapesp.

 

Para acessar o relatório completo do NEV, clique no link a seguir: https://nev.prp.usp.br/publicacao/a-experiencia-precoce-e-racializada-com-a-policia-2016-2019/

 

Para ler a matéria na íntegra clique no link ou veja a seguir: https://jornal.usp.br/diversidade/adolescentes-negros-sao-abordados-cada-vez-mais-cedo-por-policiais-aponta-relatorio/

 

Matéria na íntegra

Relatório produzido pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP apresenta dados inéditos sobre diferentes tipos de contato entre crianças e adolescentes e a polícia no município de São Paulo. Os resultados demonstram que a discriminação racial e a seletividade das abordagens policiais estão presentes desde cedo na vida das crianças e adolescentes, e confirmam que é na mais tenra idade que os jovens negros se tornam alvos do policiamento ostensivo e das formas mais violentas de ação policial.

O relatório A experiência precoce e racializada com a polícia foi publicado no site do NEV e será lançado no dia 31 de agosto, às 14 horas, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O evento deverá contar com a presença da cientista social Jacqueline Sinhoretto, do ouvidor das Polícias de São Paulo, Claudinho Silva, e de representantes do Instituto Sou da Paz.

“Os brancos são muito menos parados [pela polícia] do que os pretos. O relatório chama a atenção para um debate fundamental de longo prazo, que é o da abordagem policial desproporcional por raça”, aponta Renan Theodoro, um dos organizadores do relatório. Para o sociólogo e pesquisador do NEV, o trabalho é inédito por aplicar a pesquisa do tipo survey a um público não adulto. “É a primeira experiência do NEV considerando a opinião de pequenos cidadãos”, conta Theodoro, lembrando que a pesquisa começa em uma faixa etária em que são considerados crianças: aos 11 anos. “E nesta idade, eles já estão respondendo ‘sim, fui enquadrado’”.

Renan Theodoro, um dos organizadores do relatório, é sociólogo e pesquisador da USP – Foto: Reprodução/NEV-USP.

Os dados foram coletados pelo Estudo de Socialização Legal de São Paulo (SPLSS) como parte do projeto Construindo a Democracia no Dia a Dia: direitos humanos, violência e confiança nas instituições, desenvolvido pelo NEV. Cerca de 800 jovens, entre 11 e 14 anos, matriculados em 120 escolas públicas e privadas da cidade de São Paulo, foram acompanhados por quatro anos. Os estudantes responderam a um questionário com aproximadamente 30 questões uma vez por ano, entre 2016 e 2019. Todos nasceram no ano de 2005 e tinham 11 anos de idade quando foram entrevistados pela primeira vez, em 2016. O questionário abordou desde a relação com a polícia por meio da própria escola, como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), até experiências com abordagens policiais.

 

O que os dados revelam

O relatório aponta que muito cedo, já aos 11, 12 e 14 anos de idade, adolescentes pretos chegaram a ser duas vezes mais abordados pela polícia, mesmo sendo uma parcela significativamente menor de participantes da pesquisa.

No primeiro ano de levantamento, 47,13% dos participantes eram brancos, 27,25% eram pardos, 11,50% eram pretos, 5,13% indígenas, 2,75% eram descendentes de asiáticos e outros 6,25% não souberam ou não quiseram declarar. Apesar de não representarem a maior parcela de entrevistados, o contato com a polícia foi maior entre os jovens autodeclarados pretos. Em 2016, quando os jovens participantes tinham 11 anos de idade, 18,24% dos pretos foram parados pela polícia. Para fins comparativos, entre todos os pretos participantes da pesquisa naquele ano, 27,47% foram parados pela polícia, contra 18,83% de brancos e, do total de pardos, 12,84% foram parados.

Considerando todos os anos em que a pesquisa foi realizada, 68,82% dos participantes nunca foram parados pela polícia, 20,21% foram parados ao menos uma vez em um único ano, 5,40% parados ao menos uma vez em dois anos, 4,32% parados ao menos uma vez em três anos e 1,23% foi parado ao menos uma vez todos os anos, dos 11 aos 14 anos de idade.

Tabela com porcentagens de abordagens policiais, retirada do relatório A experiência precoce e racializada com a polícia – Imagem: Reprodução/NEV-USP.

A pesquisa dividiu a experiência das crianças e adolescentes com a polícia em três categorias: contato indireto – quando ele ou ela viu uma abordagem; contato direto – que variava desde a participação em alguma campanha ou palestra policial até ser parado, revistado ou levado para a delegacia; e por fim vitimização causada pela polícia – indicando situações de xingamentos, agressões e ter uma arma apontada em sua direção.

De todos os pretos da amostra, 21,51% foram revistados pela polícia. Já entre os brancos, essa experiência atingiu 8,33%, e entre pardos, 9,74%. Somente no ano de 2016, adolescentes autodeclarados pretos foram 25,71% dos que afirmaram ter sido levados para a delegacia, frente a 11,37% de participação na amostra. Já no ano de 2019, somente 8 jovens responderam ter sido agredidos pela polícia, no entanto 7 eram negros.

“A gente sabe que a polícia tem abordagens diferentes a depender de questões como raça e cor, e isso é entrecruzado com a condição socioeconômica. É um estranhamento da nossa parte saber que a polícia chegaria a parar na rua uma criança de 10 a 11 anos”, afirma Theodoro. Para ele, a população está sendo exposta desde muito cedo à violência racial institucional.

Além do resultado da pesquisa com crianças e adolescentes, três ensaios compõem a parte final do relatório. Os dois primeiros ilustram como jovens representam as experiências vividas em seus contatos com a polícia e o modo como as polícias, em especial a militar, silenciam a presença do racismo em seus contatos com cidadãos e cidadãs. O terceiro ensaio aborda estratégias para interromper a violência contra crianças. De acordo com a publicação, a percepção de que há discriminação racial na ação policial foi presente em todos os grupos sociais: meninos e meninas, brancos, pretos e pardos.

De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 50% das vítimas de morte violenta intencional tinham entre 12 e 29 anos. Somente no ano de 2021, mais da metade dos mortos em decorrência de intervenção policial tinha entre 12 e 24 anos, sendo 8,7% entre 12 e 17 anos e os outros 43,6% entre 18 e 24 anos de idade, respectivamente.

De outro lado, um estudo recentemente realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que as mortes de adolescentes por intervenção policial caíram 66,7% no Estado de São Paulo após implementação das câmeras operacionais portáteis. Mesmo assim, a polícia de São Paulo matou 273 jovens, entre 15 e 19 anos, nos últimos quatro anos.