Lúcio Kowarick (1938-2020)

26/08/2020

Por Bruno Paes Manso

Quando tinha 37 anos, em 1975, o sociólogo e cientista político paulistano Lúcio Kowarick coordenou o lançamento do livro São Paulo – Crescimento e Pobreza, marco para pensar a trajetória que a cidade seguiria nas décadas seguintes. Ainda eram tempos sombrios, apesar da abertura iniciada pela ditadura militar. O livro tinha sido uma encomenda de D. Paulo Evaristo Arns, então cardeal arcebispo de São Paulo, ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Depois do lançamento, o Cebrap sofreu um atentado a bomba.

Mais explosiva, entretanto, foi a repercussão das ideias do livro, que vendeu mais de 100 mil exemplares com fotos e textos que chamavam a atenção para a situação das periferias que nasciam e cresciam desassistidas pelo Estado. A coletânea de artigos indicava os alvos políticos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Igreja Católica, que passariam a atuar nas periferias de São Paulo.

Em 1979, quatro anos depois do primeiro livro, Kowarick publicava A Espoliação Urbana, relacionando problemas urbanos, como baixos investimentos em transporte, moradias, escolas e saúde, à dinâmica de acumulação do capital produzida pela cidade. Naqueles tempos de luta, a discussão serviu de base para a efervescência dos movimentos sociais das periferias, organizados pelos sindicatos, passando pelas associações de bairro e grupos de mães, que marcariam a primeira metade dos anos 1980 na capital.

São personagens-chave dessa história setentista de São Paulo os dois principais líderes políticos nacionais, que se tornariam presidentes do Brasil. O então sociólogo Fernando Henrique Cardoso foi um dos fundadores do Cebrap. O metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva surgiria das greves sindicais no ABC em 1978. Os movimentos sociais ainda serviriam de base para o nascimento do Partido dos Trabalhadores.

As três décadas que se seguiram foram de transformação intensa e permanente da metrópole, detectadas nos textos e debates acadêmicos travados com grande talento e rigor por Kowarick. A década de 1980, marcada pela crise no emprego e recessão econômica, registraria uma nova etapa de mudanças. Os movimentos sociais que cobravam o Estado mudaram de lado e acenderam ao poder. Com a democratização, parte de seus integrantes ingressam nos governos.

Novas pautas passaram a dominar o debate, ligadas a gênero e raça. Os evangélicos neopentecostais inventariam uma nova forma de encarar os desafios impostos pela miséria. O aumento da violência também se tornaria um elemento-chave para a compreensão de toda a metrópole, temas que não escapariam da antena de Kowarick e que seriam tratados no livro Viver em Risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil, lançado em 2011.

Kowarick foi um pesquisador atento aos processos sociais, econômicos e políticos de uma cidade efervescente, injusta, violenta, criativa, plural, apaixonante, um enigma ainda distante de ser desvendado, que ele ajudou como poucos a entender melhor.