NEV na mídia | Jornal da USP no Ar: Dados sobre reincidência criminal no Brasil apresentam equívocos

13/07/2023

Maiara Côrrea, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), participou do programa Jornal da USP no Ar 1° edição para falar sobre sua pesquisa e o tema de reincidência criminal no Brasil na manhã do dia 13 de julho de 2023.

O texto destaca que a taxa de reincidência criminal de 70% amplamente divulgada pela mídia não corresponde à realidade das pesquisas realizadas, que indicam taxas menores, em torno de 46%.

Além disso, ela aponta a falta de esclarecimento sobre como os dados são obtidos e a defasagem das informações divulgadas. Corrêa destaca a importância de estudar os fatores sociais que levam à reincidência e ressalta a necessidade de envolvimento de pesquisadores na coleta e análise dos dados, por meio de parcerias entre universidades e secretarias estaduais.

Link original de publicação: https://jornal.usp.br/atualidades/dados-sobre-reincidencia-criminal-no-brasil-apresentam-equivocos/

 

Matéria na íntegra

Estudos mostram que a taxa de reincidência penitenciária não ultrapassa 46%, porcentagem muito menor do que os 70% apontados pela mídia – Foto: Visualhunt

 

No Brasil, autoridades divulgam que cerca de 70% das pessoas que cumprem pena de prisão no Brasil reincidem no crime depois de algum tempo em liberdade. Um estudo realizado por Maiara Corrêa, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, aponta que esses dados não correspondem à realidade da reincidência criminal e que não há esclarecimento sobre como os dados são obtidos. “Essa suposta taxa de reincidência criminal foi aceita e replicada pela população em geral, mas sempre causou um certo estranhamento entre nós pesquisadoras e investigadoras da questão”, diz Maiara.

Incongruências nos dados 

Ela relembra a primeira pesquisa feita no Brasil sobre o tema, por Sérgio Adorno e Eliana Bordini, também do Núcleo de Estudos da Violência da USP, em 1986: “Eles acompanharam um grupo de egressos pelo período de um ano, verificando ao final quanto daqueles indivíduos retornaram ao sistema penitenciário ou cadeias públicas do Estado de São Paulo e a taxa de reincidência penitenciária encontrada por eles na época foi de 46%, uma porcentagem muito menor do que a mídia vinha apontando na época. Ou seja, há 37 anos, quando esse primeiro estudo foi desenvolvido, já havia uma ideia de que eram 70% dos egressos do sistema que reincidiam. Porém, o estudo comprovou que a taxa era menor”.

A pesquisa foi refeita e atualizada alguns anos atrás pelos mesmos professores e os resultados não tiveram diferenças significativas. As porcentagens não excederam os 46% e tampouco se aproximaram desses 70%, que são comumente divulgados.

Por trás da reincidência

Maiara reitera que o interesse em estudar temas do sistema prisional é recente, mas que os pesquisadores têm preocupações que excedem a obtenção dos dados. “O que tem predominado no âmbito acadêmico em si é a preocupação em compreender os fatores sociais que levariam à reincidência.” Parte do trabalho da pesquisadora envolve ações de reintegração social para os presos, como as políticas de remissão de pena, que são “aquelas que permitem aos presos e presas abaterem parte da pena privativa de liberdade por atividades exercidas dentro do cárcere, seja trabalho formal, leitura, formação escolar, atividades esportivas, de cultura e lazer. A recomendação é de um dia a menos na pena para cada três dias de atividade exercida”, aponta.

Necessidade de incentivo 

Atualmente, faltam dados confiáveis sobre reincidência criminal e sobre o sistema prisional como um todo. Esses dados são providos por instâncias do Estado e seguem critérios de transparência, mas encontram percalços no caminho. “A realidade é que muitas vezes quando divulgados ou já estão defasados ou não acompanham a dinâmica acelerada do aprisionamento no Brasil”, explica a pesquisadora.

Maiara enxerga como possível melhoria para esse quadro o envolvimento de pesquisadores na pesquisa dos dados. “Precisaria ter uma parceria firme entre universidades e secretarias estaduais para resolver esse problema dos dados. As universidades e centros de pesquisas existem para desenvolver conhecimento e informação. Quando temos as portas abertas e a possibilidade de realizar pesquisas e acessar as informações esse descaso e problemas de dados podem ser resolvidos. A gente apenas precisa de incentivo, financiamento e acesso a certos espaços”, defende.