NEV na mídia | SBT News: Mudanças na Segurança devem ser estratégicas e não dependem de alteração em Ministério, avaliam especialistas

30/10/2023

Leonardo Ostronoff, pesquisador associado ao Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), foi entrevistado pelo SBT News sobre o aumento de episódios de violência observados e repercutidos na imprensa na Bahia e no Rio de Janeiro.

“Não adianta você desmembrar o mistério, mudar o organograma institucional, se o paradigma for o mesmo de uma política uma política punitivista, uma política repressiva, isso não vai funcionar. Agora, o debate de mudanças precisa ser mais aberto. A questão da segurança pública é muito atribuída à polícia, quando é um direito adquirido na Constituição, é um direito da população. A meu ver, qualquer mudança dessa deveria ser pensada também em maneira de consulta, de maneira mais democrática”, diz Ostronoff na matéria.

Link original: https://www.sbtnews.com.br/noticia/governo/262593-mudancas-na-seguranca-devem-ser-estrategicas-e-nao-dependem-de-alteracao-em-ministerio-avaliam-especialistas

 

Matéria na íntegra

 

Mudanças na forma de tratamento da segurança pública no Brasil são necessárias, e podem ser implementadas independente da estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A avaliação foi apresentada por especialistas consultados pelo SBT News, que destacam a necessidade de avanços em políticas públicas para além do repasse de recursos a estados e municípios.

O tema voltou ao debate público após uma série de casos de violência policial no estado da Bahia, que atingiu a marca de 68 mortes em confrontos apenas no mês de setembro, além do atentado contra médicos no Rio de Janeiro. Na última semana, três ortopedistas foram mortos a tiros em um quiosque na Barra da Tijuca, zona oeste da capital fluminense. Como resposta, o governo federal definiu o envio de recursos e apoio às polícias para a segurança dos estados.

Para pesquisadores, os movimentos adotados pelo governo federal não resolvem o problema de forma efetiva, e podem contribuir para um aumento da própria violência. “Essa política punitivista da repressão não tem resolvido. Ao contrário, ela só tem alimentado um ciclo que é o que a gente chama de um ciclo da violência. Conforme o estado usa mais violência, mais repressão, aumenta a situação. Vira uma bola de neve”, diz Leonardo Ostronoff, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).

Na mesma linha, Fernando Nascimento dos Santos, professor e pesquisador em direitos humanos e cidadania na UnB, afirma que o recomendado seria um maior investimento em ações para profissionalização de policiais. “Para além de recursos financeiros e armamentos, a profissionalização da segurança pública estadual. Se não tem atuação das policiais estaduais, você acaba gerenciando a política de segurança pública para atender um clamor social e até mesmo fins políticos. Você não dá autonomia para forças de segurança ou policiais agirem de forma estratégica”, declara.

Divisão de ministério

Os dois especialistas na área de segurança concordam que um possível desmembramento do Ministério da Justiça, para a criação de uma pasta independente voltada à Segurança Pública não contribui em mudanças efetivas. “Isso, por si só, não vai resolver. Do ponto de vista da gestão administrativa, a meu ver, pouco importa se a competência para a segurança pública vai estar dentro de um ministério como uma secretaria, ou transformar essa secretaria em um ministério específico”, pontua Santos.

“É uma questão institucional. Eu tendo a achar que, primeiro, a gente precisa mudar esse paradigma para pensar. Não adianta você criar, dar mais espaço institucional para segurança pública, criar um ministério ou potencializar uma secretaria especial, se a lógica vai ser a mesma executada agora. O que a gente tem que mudar é o paradigma da política”, considera Ostronoff.

Com a ponderação de que uma pasta específica pode dar mais autonomia e agilidade para análise de propostas, o pesquisador da UnB também considera que uma mudança na atual estrutura pode interferir nos processos em andamento do próprio ministério.

“A segurança pública não pode ser testada separadamente de outras funções do Ministério da Justiça. O ministério também tem competência em questões relativas à ordem pública como um todo. Se você pensar segurança pública fora de uma política coordenada, de forma estruturada, talvez enfraqueça a segurança, porque cria muitas divisões e muitas linhas de comando, e não consegue canalizar esforços e recursos para testar uma política pública de forma estratégica”, declara Fernando dos Santos.

“Não adianta você desmembrar o mistério, mudar o organograma institucional, se o paradigma for o mesmo de uma política uma política punitivista, uma política repressiva, isso não vai funcionar. Agora, o debate de mudanças precisa ser mais aberto. A questão da segurança pública é muito atribuída à polícia, quando é um direito adquirido na Constituição, é um direito da população. A meu ver, qualquer mudança dessa deveria ser pensada também em maneira de consulta, de maneira mais democrática”, completa o pesquisador Leonardo Ostronoff.

A criação de um ministério próprio para a Segurança Pública é defendida por nomes ligados ao governo desde o período da transição. Com as atuais urgências em segurança, o tema voltou a ser discutido, mas não deve avançar ao menos até o fim do ano. Uma possível substituição do atual ministro, Flávio Dino, é cotada caso a indicação dele avance ao Supremo Tribunal Federal (STF). O principal nome para a possível substituição, caso ele siga para a Corte, é o do atual Secretário executivo do ministério, Ricardo Capelli.

Atuação na Bahia e no Rio de Janeiro

O ministério anunciou recursos à Bahia, que somados chegam aos R$ 220 milhões, e citou o possível uso da Força Nacional no estado, caso o governador, Jerônimo Rodrigues (PT), opte pelo movimento. Outras medidas previstas incluem também a instalação da Polícia Federal no município Feira de Santana – previsto para até 45 dias – e o início do trabalho da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Fico), com atuação da PF e da Polícia Civil.

No Rio de Janeiro, o ministério trabalhou com o envio de policiais para apoio nas investigações do ataque contra os médicos. A previsão é de que Cappelli volte para o estado na próxima semana. “As investigações seguem sendo realizadas pela Polícia Civil fluminense, tendo a Polícia Federal como apoio na área de inteligência”, diz trecho de comunicado enviado pelo ministério à reportagem. A pasta também disse que vai enviar à capital fluminense 300 homens da Força Nacional para atuar em rodovias federais.