Pesquisador do NEV integra Podcast que estuda os acontecimentos do 8 de Janeiro, em Brasília

30/10/2023

Artur Damião Cardoso, estudante de 24 anos de idade, que atuou como pesquisador de Iniciação Científica do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) até maio de 2023, integrou um projeto de pesquisa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH/USP), sob a supervisão da Profª Dra. Angela Alonso, sobre repercussões dos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, na Praça dos Três Poderes, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF).

As atividades foram desenvolvidas durante o primeiro semestre de 2023, ao reunir duas turmas da disciplina de “Métodos de Pesquisa em Sociologia” e foram concluídas com a produção de um podcast composto por seis episódios, que apresentam diferentes pesquisas de alunos de Ciências Sociais da USP sobre os acontecimentos da ocasião, trazendo abordagens de aspectos distintos.

O sexto episódio do Podcast “O 8 de Janeiro”, produzido por Artur Damião em conjunto com Ana Beatriz Florentino, Carolina Bueno Stefani, Henrique Assi Hernandes, Lis Levisky Loureiro e Renato Kelvin, identifica disputas de narrativas na plataforma “Twitter” (hoje renomeada “X”) que sucederam os eventos violentos do Distrito Federal.

Artur Damião destacou alguns momentos importantes sobre sua pesquisa e o desenvolvimento do podcast, confira a seguir uma entrevista ao site do NEV/USP:

Artur Damião Cardoso
Artur Damião Cardoso (Foto: acervo pessoal)

 

Comunicação NEV/USP: Como foi a sua participação no projeto?

Artur Damião (AD) : Durante a execução do projeto, que contou com a participação de outros colegas da graduação, o apoio do Grupo Experimental em Semiótica Computacional da USP (SemioCom) e a supervisão da Profª Dra. Angela Alonso, me debrucei com mais afinco sobre a análise quantitativa e nas abordagens metodológicas para conduzir nossa pesquisa. O desafio que enfrentávamos era significativo: de maneira exploratória, almejávamos compreender como a sociedade interpretava um fenômeno específico por meio de uma rede social. Com essa finalidade, nos vimos compelidos a empregar técnicas especializadas para analisar os dados extraídos das redes sociais. Minha responsabilidade principal foi liderar o processo de coleta de dados, que envolvia a raspagem de tweets.

 

Comunicação NEV/USP: Qual foi seu tema de pesquisa nessa iniciativa?

AD: O tema central da nossa pesquisa gira em torno das mobilizações políticas coletivas nas redes sociais, tanto em apoio quanto em oposição ao governo. Durante o desenvolvimento do projeto, ficou evidente que o Twitter e outras plataformas de mídia social desempenham um papel crucial na construção de um discurso público sobre diversos eventos políticos. A construção de sentido e a atribuição de significados também perpassam a vida digital, e as mídias sociais não escapam a isso. Nesse sentido, os acontecimentos no dia 08 de janeiro – a invasão de Brasília – não poderiam ficar de fora.

É importante introduzir os objetivos desta pesquisa. Para alguns brasileiros, essa data foi considerada como “atos de vandalismo”, enquanto para outros foi interpretada como um “movimento de insurreição”. Isso ressalta como o mesmo evento pode ser rotulado e interpretado de maneiras diversas. Portanto, ao observar os veículos de mídia e as redes sociais, percebemos uma disputa em torno da definição e interpretação dos eventos do 8J, das pessoas envolvidas e das ações ocorridas. Termos como “terrorismo”, “golpe de Estado” e “manifestação” foram usados para caracterizar esses acontecimentos.

Por exemplo, Ministros do STF, como Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, não hesitaram em classificar os eventos de 8 de janeiro como “terrorismo” em suas páginas no Twitter. Portanto, é nesse campo das interpretações dos eventos políticos que nosso trabalho se concentrará.

Diante dessas considerações, nosso interesse reside em investigar quais interpretações foram apresentadas imediatamente após o 8J, nos dias 8 e 9 de janeiro, na rede social Twitter. Com base nessa pergunta, podemos afirmar que o foco empírico de nossa pesquisa é o Twitter, uma plataforma de mídia social contemporânea de grande relevância para debates políticos. Especificamente, analisamos os tweets produzidos nos dias 8 e 9 de janeiro de 2023 como documentos que serão avaliados tanto quantitativamente quanto qualitativamente, formando o nosso corpus.

No que diz respeito à nossa hipótese, partimos da premissa do estabelecimento de “uma disputa interpretativa em torno dos sentidos” (Teixeira, Fernandes & Silva, 2020)* dos acontecimentos do 8J — o que implicaria, em termos hipotéticos, no mínimo dois enquadramentos de tais acontecimentos: um contrário e um favorável, a partir dos quais se estabelece a disputa.

 

Comunicação NEV/USP: Você mencionou uma metodologia usada chamada “modelagem de tópicos”, como ela funciona?

AD: Para enfrentar esse desafio, foi essencial empregar técnicas de pesquisa específicas. Surgiram questões fundamentais: Como recolher as informações a partir do Twitter, ou seja, como criar uma base de dados? Como analisar e sistematizar um grande conjunto de dados textuais? Como “capturar” e extrair o sentido desses tweets? Para abordar essas questões, optamos por utilizar a técnica de webscraping para a criação da nossa base de dados. Além disso, recorremos à modelagem de tópicos, uma das aplicações mais comuns no Processamento de Linguagem Natural (PLN), amplamente utilizada na clusterização de documentos e na organização de textos com grande quantidade de dados e informações.

Diante de um cenário em que nos deparamos com um vasto conjunto de texto e nosso objetivo é identificar padrões, tendências e compreender o sentido geral desse corpus, a modelagem de tópicos emerge como uma ferramenta essencial para nossa primeira análise dos dados.

 

Comunicação NEV/USP: Quais são suas expectativas sobre os resultados da pesquisa realizada?

AD: Os resultados da pesquisa indicam a necessidade de aprimorar as técnicas utilizadas, tanto refinando os códigos como expandindo a base de “tuítes”, a fim de aumentar nossa capacidade de compreensão e interpretação dos fenômenos em análise. Além disso, a classificação dos “tuítes” se apresenta como um horizonte possível, com o objetivo de melhorar a análise. No entanto, devido à restrição de tempo, visto que conduzimos a pesquisa em apenas três meses, não realizamos a classificação dos “tuítes”, uma vez que utilizamos um algoritmo de deep learning pré-treinado chamado BERTopic.

Além da questão do tempo, outro fator entrou em cena: como visto recentemente em Porto Alegre, a data da invasão da capital do país foi transformada em “Dia do Patriota”**. Dessa forma, os sentidos do 8 de janeiro ainda estão em disputa. Portanto, é possível observar a possibilidade da ampliação do escopo temporal de nossa pesquisa, buscando (re)construir como se dão, ainda nos dias de hoje, as disputas pelo significado daquela data.

 

Confira a seguir o sexto episódio do Podcast “O 8 de Janeiro”, As disputas pelo sentido do 8:

https://open.spotify.com/episode/0UdwCMYiYUBswLm6o3WMt3?si=gN8Lrk19QC2NYmeDCLylwg&nd=1

Acesse o podcast completo por este link: https://open.spotify.com/show/5bIXrWgd9AUpxkMML6WHO2

 

Artur Damião é estudante de graduação em Ciências Sociais na FFLCH/USP, foi bolsista de Iniciação Científica na área de Sociologia, atuando no tema da violência, vinculado ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP (CEPID/FAPESP), sob orientação do Prof. Dr. Sérgio Adorno e coorientação de Marcelo Batista Nery. É membro do grupo de estudos e pesquisa “Violência em Tempos Sombrios” (NEV/USP). Atualmente, desenvolve trabalhos e pesquisas no campo das Ciências Sociais Computacionais, interessando-se, principalmente, pela análise de fenômenos e movimentos sociais.

Entrevista: Caio Andrade (NEV/USP)

 

*”Enquadrando eventos de protesto: as disputas interpretativas em torno do ciclo de manifestações de 2013 em Porto Alegre” dos autores: Alex Niche Teixeira; Eduardo Georjão Fernandes; Marcelo Kunrath Silva, link para leitura.

** Dia do Patriota – Proposta chegou a ser promulgada como Lei Municipal nº 13.530 em Porto Alegre em julho, mas foi considerada inconstitucional em agosto de 2023 em julgamento no STF.