Nota de pesar do NEV sobre o falecimento de Marina Kohler Harkot

10/11/2020

É com extremo pesar que o Núcleo de Estudos da Violência recebeu a notícia do falecimento de Marina Kohler Harkot, vítima de atropelamento na madrugada deste domingo, dia 08 de novembro de 2020, na zona oeste de São Paulo. Marina pedalava quando foi atingida por um veículo, que não parou para prestar socorro, de acordo com as informações divulgadas pela imprensa. Ela faleceu no local.

Marina, 28, era cicloativista e formou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Pesquisadora de mobilidade urbana e do ciclismo a partir da perspectiva de gênero, defendeu a dissertação “A bicicleta e as mulheres: mobilidade ativa, gênero e desigualdades socioterritoriais em São Paulo” em 2018, na faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Seguia sua pesquisa de doutorado no mesmo departamento, investigando como territórios são construídos e vividos pelos sujeitos com base em seus marcadores sociais – raça, gênero, sexualidade. Para além de sua formação acadêmica, Marina era reconhecidamente uma especialista na área, atuando em projetos do setor público e privado: atuou no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito, foi coordenadora da Ciclocidade (Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo) e foi consultora de projetos pelo Banco Mundial. Mais que um objeto de pesquisa, a bicicleta, a mobilidade urbana e a construção de um espaço público mais igualitário orientavam sua visão de mundo. Não acidentalmente, foi mais uma vítima do problema sistêmico que se dedicava a analisar.

Conforme investigou Marina, a violência no trânsito se configura como um dos principais desafios urbanos no país. Os dados sobre o tema evidenciam a gravidade da situação. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, o Brasil foi o quarto país com mais mortes em acidentes de trânsito no mundo, atrás da China, Índia e Nigéria. Em 2018, atingimos 23,4 mortes por 100 mil habitantes. Segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária, a cada 15 minutos 1 pessoa morre por acidente de trânsito. A imprudência do condutor é responsável pela grande maioria dos casos. Só em julho de 2020, o InfosigaSP registrou 402 mortes no estado. Parte expressiva dessas vítimas decorre de acidentes com automóveis. Para além de campanhas de conscientização para os riscos que carros e outros veículos pesados representam para os demais cidadãos em trânsito, é importante ressaltar a necessidade de políticas públicas de democratização do espaço público, proteção a ciclistas, pedestres e motociclistas. Ao contrário de segregar a via pública, tornando-a exclusiva para automóveis, é preciso construir uma cultura integrativa e inclusiva de transporte e de mobilidade.

Marina nos deixa com o alerta de que a transformação social e a construção de uma cidade mais igualitária é premente, uma vez que a violência no trânsito faz vítimas todos os dias. Deixa-nos também com um legado: de que conceber uma cidade democrática é refletir sobre os fatores que estruturam nossa vivência dela – raça, gênero, sexualidade, classe. E uma proposta: que a participação social é indispensável para a construção de uma cidade menos violenta. Cumprimentamos a família e demais amigas e amigos de Marina Harkot, e seguimos na expectativa de que o responsável pela sua morte tão prematura seja localizado e sejam tomadas as providências cabíveis.