Análise de três hashtags no Twitter veiculadas por congressistas no ano passado: #LulaLivre, #BolsonaroNaOnu e #CadêoQueiroz
25/06/2020
Por Gustavo Higa, Marcos César Alvarez, Efrain Garcia Sanchez, Pedro Rolo Benetti e Erick Gomez Nieto Na análise anterior, trouxemos as top 10 hashtags utilizadas por parlamentares brasileiros no twitter, mês a mês, em 2019. Notamos que, ao longo do ano, as hashtags apresentaram diferentes dinâmicas: algumas se mantiveram constantes e outras apresentaram rápida ascensão […]
Por Gustavo Higa, Marcos César Alvarez, Efrain Garcia Sanchez, Pedro Rolo Benetti e Erick Gomez Nieto
Na análise anterior, trouxemos as top 10 hashtags utilizadas por parlamentares brasileiros no twitter, mês a mês, em 2019. Notamos que, ao longo do ano, as hashtags apresentaram diferentes dinâmicas: algumas se mantiveram constantes e outras apresentaram rápida ascensão e declínio, estimuladas por determinados episódios e mobilizadas por atores distintos.
Dando continuidade à proposta, pretendemos abordar outros aspectos da análise, desta vez focalizando em três hashtags que evidenciam algumas características apresentadas acima: #LulaLivre, #BolsonaroNaOnu e #CadêoQueiroz. Para elucidar a discussão, faremos novamente o uso da visualização de um fluxo temporal, que nos permite perceber dinâmicas diferentes de emprego dos termos que mobilizaram o debate político entre os parlamentares.
Em 2017, ao longo das investigações da operação Lava a Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi acusado pelo Ministério Público de receber propina da empresa OAS. O principal argumento da acusação foi a suposta aquisição não convencional de imóvel cotado em mais de 2 milhões de reais. O juiz responsável pelo caso, Sergio Moro, sentenciou a condenação por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em 12 de julho de 2017. A defesa fez apelação ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas o habeas corpus foi negado em 04 de abril de 2018. No dia seguinte, após a rápida decisão do STF, Moro decretou a prisão do ex-presidente. Lula dirigiu-se para o prédio sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, local marcante de sua trajetória política. Após anunciar a centenas de apoiadores ali reunidos que iria se entregar, dirigiu-se à sede da Policia Federal e foi levado ao aeroporto no dia 7 de abril de 2019, embarcando para Curitiba, onde deveria se apresentar. Lula foi solto no dia 8 de novembro de 2019, 580 dias depois, após o STF declarar a inconstitucionalidade da prisão em segunda instância.
Durante a prisão de Lula, o Partido dos Trabalhadores e várias entidades se reuniram para manifestar apoio ao ex-presidente e repúdio ao veredito judicial, alegando a conduta ilegal do processo e a orientação política da condenação. Desde então surgiu a expressão “Lula Livre”, que se tornou uma espécie senha do movimento que mobilizou ativistas, intelectuais, artistas e demais apoiadores em proporções internacionais.
As manifestações de apoio também tomaram as redes sociais de forma intermitente, como foi no twitter com #LulaLivre e suas variações (#LulaLivreUrgente; #LulaLivreAgora; #LutaPorLulaLivre; #lulalivre; #LulaLivreJá; LulaPresoPolítico). Analisando a dinâmica de interações de parlamentares brasileiros no twitter, notamos que #LulaLivre obteve o maior destaque entre as 10 hashtags mais utilizadas em 2019, mantendo-se constante o ano inteiro e sendo utilizada sobretudo em sentido de oposição ao atual governo. Algumas das postagens com #LulaLivre são elencadas abaixo:
https://twitter.com/renancalheiros/status/1192909473590890497
https://twitter.com/senadorpaulor/status/1091352463624544257
https://twitter.com/SenadorRogerio/status/1093499981443592192
https://twitter.com/achinaglia/status/1193283733861916672
https://twitter.com/BetoFaroPT/status/1115715092006309888
Se expressões como #LulaLivre se repetiram ao longo do ano, variando em intensidade, outras, como #BolsonaroNaOnu, ficaram restritas ao(s) dia(s) em que ocorreu o evento a que estava associada. Nesse sentido, a visualização nos mostra a concentração do uso dessa específica hashtag em setembro, momento em que o presidente Jair Bolsonaro realizou o discurso de abertura da 74º Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Outra característica digna de comentário é que, diferentemente dos motes empregados para a mobilização política de certas agendas, sempre identificadas a um subconjunto específico de atores parlamentares, as hashtags que se relacionam com um evento particular são usadas por perfis que ocupam lugares diferentes (e até mesmo opostos) no espectro político. Por essa razão, tais expressões – #LulaLivre e #BolsonaroNaOnu – acompanham publicações com sentidos diferentes e frequentemente antagônicos. Talvez seja em torno destas hashtags que se possa observar, de maneira mais clara, o uso da plataforma como espaço de debate entre posições diferentes sobre o mesmo tema.
No caso específico das postagens que fizeram uso de #BolsonaroNaOnu, a simples identificação das hashtags usadas em conjunto permite situar o tom das publicações como favoráveis ou críticas ao discurso do presidente. Os deputados Coronel Tadeu (PSL-SP) e Daniel Silveira (PSL-RJ), ambos aliados fiéis de Bolsonaro, usaram #BolsonaroNaOnu acompanhada dos termos #BolsonaroOrgulhaOBrasil, #BolsoTrump, #BolsonaroGoodMan e #BolsonaroTemRazao. Já parlamentares críticos, como Áurea Carolina (PSOL-MG), associaram #BolsonaroNaOnu à #BolsonaroEnvergonhaOBrasil e #BolsonaroVergonhaMundial.
Dentre os temas abordados no discurso do presidente que geraram maior repercussão nos debates entre parlamentares no twitter destacam-se as críticas feitas às lideranças indígenas e países europeus por sua postura em relação às queimadas na Amazônia. Enquanto os partidários do presidente celebraram a posição “soberanista” adotada por Bolsonaro, seus críticos saíram em defesa do cacique Raoni, liderança indígena atacada no discurso, bem como denunciaram o papel do governo nas queimadas que acometeram a floresta, como pode ser observado na listagem abaixo:
https://twitter.com/EdmilsonPSOL/status/1176504039367987200
https://twitter.com/fernandapsol/status/1176504410173857793
https://twitter.com/EduardoBraga_AM/status/1176560000984113152
https://twitter.com/CarolDeToni/status/1176494831348211714
Dia 18 de junho, um novo acontecimento agitou a grande imprensa e as mídias sociais, no contexto da já cotidiana crise política brasileira. Fabrício Queiroz foi preso na cidade de Atibaia, na casa de um advogado com relações diretas com o atual presidente da República. O assim chamado “caso Queiroz” e suas repercussões podem causar efeitos imprevisíveis nas disputas políticas ora em curso. Neste novo capítulo da crise política, a expressão “cadê o Queiroz” foi relembrada de forma crítica e irônica em uma infinidade de postagens nas mídias sociais, acompanhada da hashtag #CadeoQueiroz. A visualização do fluxo temporal das hastags também nesse caso permite recuperar como, há mais ou menos um ano, tal hashtag estava sendo usada e como tal emprego revela aspectos das dinâmicas internas ao twitter mas igualmente de como acontecimentos políticos impactam simultaneamente na grande imprensa e nas mídias sociais, no caso específico aqui, no twitter.
Como já afirmado, a hashtag #LulaLivre aparece dentro dos top 10 mais usados pelo Congresso durante a maior parte do ano. Não é o caso da expressão ligada ao caso Queiroz. Ao contrário das expressões que se mantiveram bastante presentes ao longo de todo o ano de 2019, #CadeoQueiroz ganhou força num lapso curto de tempo, entre abril e junho de 2019, com um grande pico no mês de maio. É possível, neste sentido, indagar por que tal dinâmica é contrastante.
Relembrando o acontecimento, a crise do “caso Queiroz” foi deflagrada originalmente em dezembro de 2018, momento em que foram divulgadas movimentações atípicas na conta do policial militar e ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, filho do atual presidente da República e senador pelo Rio de Janeiro. Queiroz exercia diversos trabalhos para o senador, como os de motorista e segurança pessoal. O que teria levado então ao pico de postagens em maio de 2019?
O gráfico publicado na última análise permite justamente identificar datas e episódios teriam impulsionado algumas hashtags ao longo do ano. No mês de maio, como é possível observar na visualização, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro autorizou a quebra do sigilo bancário tanto de Flávio Bolsonaro quanto de seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, ao colocar deste modo a denúncia do esquema de “rachadinha” do político em seu mandato na Alerj em novo patamar. No dia 13 de maio, a versão digital do jornal El País, por exemplo, afirmava que “após um período fora do radar público, o caso Fabrício Queiroz volta a assombrar o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ)”. A pergunta do paradeiro do ex-assessor ganhou força então nas publicações do Twitter com a conhecida hashtag, assim como indagava-se – e continua-se indagando – “quem mandou matar Marielle?”. Na grande imprensa, políticos associados ao presidente e sua família afirmaram que a expressão era invenção polêmica da “esquerda”. Sem adentrar na discussão da fabricação do escândalo, é certo que a maior parte das postagens eram de denúncia e de crítica à família do presidente, como pode ser observado nos exemplos abaixo:
https://twitter.com/AfonsoFlorence/status/1124249765527601152
A ligação com outros escândalos do governo e com a corrupção na presidência aparecem em outras mensagens:
https://twitter.com/assis_carvalho/status/1124295813792923650
https://twitter.com/BohnGass/status/1124274975601516544
Também a suposta relação com o citado assassinato de Marielle Franco, vereadora pelo PSOL do Rio de Janeiro, morta juntamente com seu motorista, é indicada no twitte que segue:
https://twitter.com/BohnGass/status/1124252478755745792
A seletividade da imprensa, que supostamente estaria dando menos destaque ao caso Queiroz que aos escândalos de corrupção atribuídos ao PT aparece neste outro:
https://twitter.com/BohnGass/status/1124258557925392389
https://twitter.com/BetoFaroPT/status/1124247391299952640
https://twitter.com/BohnGass/status/1124283735170482176
Finalmente, também é possível analisar quem foram os parlamentares que usaram as três hashtags que selecionamos para a última análise. No gráfico seguinte, representamos o número de vezes que foi mencionado cada hashtag (tamanho do círculo) e o número de vezes que cada membro do parlamento usou em suas mensagens (espessura da linha). Como pode ser visto no gráfico, #LulaLivre foi a hashtag mais mencionada (1434 vezes por 86 parlamentares, a maioria pertencente ao PT), seguida por #BolsonaroNaOnu (usado 79 vezes por 51 parlamentares de diferentes partidos) e #CadeoQueiroz (mencionado 65 vezes por 47 parlamentares). Além disso, a hashtag #LulaLivre e #CadeoQueiroz (em vermelho) eram mais prováveis de serem mencionadas pelos mesmos parlamentares, ao passo que #BolsonaroNaOnu foi mencionado apenas uma vez por um grupo específico de parlamentares. Assim, a visualização das relações entre parlamentares e hashtags permite identificar rapidamente os tópicos principais que estão sendo abordados pelos parlamentares em suas manifestações nas redes sociais e como constroem o seu discurso com base nestes marcadores linguísticos (hashtags) para serem facilmente identificados pelos demais usuários da web.